segunda-feira, 26 de abril de 2010

OBSERVATÓRIO DA ÁSIA Número 1 - 2010

Boletim do Laboratório de Estudos da Ásia (LEA)
do Departamento de História da Universidade de São Paulo

APRESENTAÇÃO

Este é o boletim do Laboratório de Estudos da Ásia (LEA) do Departamento de História da Universidade de São Paulo.
O LEA foi criado para reunir aqueles interessados na investigação da experiência histórica dos países do continente asiático. É coordenado pelos professores Angelo Segrillo e Peter Demant.
O LEA patrocina palestras abertas ao público em geral com especialistas. Possui também Grupos de Trabalho (GTs) que se encontram regularmente para pesquisar e debater sobre regiões específicas daquele continente. Atualmente há três GTs: 1) GT de Ásia em geral; 2) GT de Eurásia (Rússia e Ásia central); 3) GT de Oriente Médio.
O e-mail para contato do LEA é: laboratoriodeestudosdaasia@yahoo.com



COMO ADQUIRIR ESTE BOLETIM:

O boletim Observatório da Ásia pode ser acessado pela internet em: http://boletimobservatoriodaasia.blogspot.com/
Cópias escritas do boletim também podem ser adquiridas na pasta do LEA na Xerox da Márcia no andar térreo do prédio do departamento de História da USP.


CONTEÚDO DESTE BOLETIM:

I) Relatório: Visão Geral da Ásia em 2009/2010
II) Relatório: Eurásia (Rússia e Ásia Central) em 2009/2010
III) Relatório: Oriente Médio
IV) Anexos:



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PARTE I: RELATÓRIO VISÃO GERAL DA ÁSIA EM 2009/2010


A palavra chave da Ásia em 2009, como aliás no resto do mundo, foi crise econômica. Afinal, a dúvida de todos era se nesse ano haveria uma piora da recessão iniciada em 2008 para uma verdadeira depressão. O diagnóstico da maioria dos especialistas, no final de 2009, é que o mundo escapara da recessão e, graças a uma série de medidas estimuladoras tomadas pelos governos dos diversos países, uma lenta recuperação parece estar começando.
Se o quadro na maioria dos países avançados foi de um vacilante crescimento positivo no(s) último(s) trimestre(s) de 2009, mas um crescimento negativo no ano como um todo, na Ásia as coisas se desenrolaram de maneira diferente. Segundo o Asian Development Bank, a Ásia, sem o Japão, cresceu 4,5% em 2009 e projeta-se um crescimento de 6,6% em 2010. Ou seja, a recuperação da crise de 2007-2008 foi mais rápida e está mais vigorosa que em outras regiões. A China, inclusive, não passou por recessão nenhuma nestes três anos, diminuindo apenas seus níveis de crescimento anual do PIB de ritmos próximos a 10% para 9,6% em 2008 e 8,7% em 2009. A Índia também teve crescimento positivo de 7,3% em 2008 e 5,6% em 2009. Já o Japão foi o "patinho feio" do Olimpo econômico asiático, com um crescimento negativo de 5,3% em 2009 (mas mantendo ainda o posto de segunda maior economia do mundo, com a China devendo atingir esta posição apenas em 2010).
Assim, a crise econômica de 2007-2009 ajudou a aprofundar uma tendência das últimas décadas: a passagem do peso econômico mundial em direção ao leste, em direção à Ásia que tende a se tornar o centro da economia mundial, posto que ocupava historicamente até o início do século XIX. Segundo a publicação The World Economy (2006) da OCDE, em Paridade de Poder de Compra, entre os continentes, a Ásia tinha a maior economia até meados do século XIX e recuperou este posto na última década do século XX. E, prosseguindo-se os ritmos atuais, a China que era a maior economia do mundo entre os países até o início do século XIX recuperará este posto em cerca de duas décadas.
A crise mundial de 2007-2009, ao atingir mais seriamente os países avançados do Ocidente, parece ter acelerado este pender da balança econômica rumo ao Oriente.
A seguir highlights de certos desenvolvimentos conjunturais importantes em alguns países-chaves da região.


CHINA

Dentre os países asiáticos, a China tem recebido destaque, pois parece protagonizar um grande movimento de transferência de poder e econômico e geopolítico no mundo. Nos últimos trinta anos ela tem crescido a médias anuais acima de 9% ao ano. Crescimento ininterrupto tão alto e por tanto tempo é inédito em tempos modernos e, ceteris paribus, leva a crer que em cerca de duas décadas a China recuperará o posto de maior economia do mundo, que foi seu, em tempos modernos, até o século XIX. A crise mundial de 2007-2009 parece ter acelerado esta tendência, pois os países avançados tiveram decréscimos em suas economias enquanto que a China prosseguiu crescendo.
Os grandes desafios para a China em termos econômicos são a possibilidade sempre constante de inflação (em uma economia de alto crescimento) e a questão do aumento da desigualdade de renda que acompanhou o processo das reformas das últimas décadas. O coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, pulou de 0,27 em 1978 para 0,41 em 2007. Isso também cria tensões econômicas regionais cidade/campo e litoral/interior, pois os primeiros termos são os que mais se beneficiam do estágio atual das reformas.
Em 2009 também despontaram tensões étnicas, principalmente entre a minoria uigur na província de Xinjiang, que culminou nos conflitos entre uigures e chineses han na capital Urunqi em julho de 2009, com um saldo de 184 mortos. Tensões continuam também em relação ao Tibete e a Taiwan.
Em janeiro de 2009 a China desbancou a Alemanha como terceira maior economia mundial e, com a crise nos países avançados, chegou-se a cogitar que poderia desbancar o Japão como segunda maior economia no final de 2009, mas isto acabou não acontecendo e protelou-se esta dúvida para 2010.


ÍNDIA

A Índia foi outro país que teve crescimento econômico positivo e relativamente alto em 2009 (5,6%). Prossegue assim sua trajetória de dinamismo e crescimento econômico alto desde as reformas liberalizantes e desburocratizantes da economia nos anos 1990. A partir deste crescimento econômico, a Índia parte para uma correspondente maior projeção de poder no mundo. Após ter enviado à lua, em outubro de 2008, sua primeira espaçonave não tripulada de pesquisa, em julho de 2009 se tornou o sexto país do mundo a manufaturar submarino nuclear.
Esta trajetória dinâmica se refletiu nas urnas em 2009. O Partido do Congresso, do primeiro-ministro Manmohan Singh, (que nos anos 1990, como ministro das finanças, orquestrou as refomas de abertura da economia) venceu as eleições parlamentares de abril-maio de 2009, conquistando, com seus aliados, 262 das 543 cadeiras em disputa.
O Partido do Congresso, de Nehru e Indira Gandhi, tem governado a Índia na maioria esmagadora dos anos desde a Independência em 1947. Proponente de uma Índia secular e inclusiva, sofreu algumas derrotas eleitorais para o (anti-islâmico) partido nacionalista hindu BJP (Bharatiya Janata Party) nas últimas décadas, mas parece atualmente ter consolidado seu tradicional poder, escorando-se no bom desempenho econômico do país. Nos anexos deste boletim segue um artigo maior examinando as conseqüências dessas eleições na Índia.


JAPÃO

O Japão tem surpreendido nos últimos tempos. Em política, o longo e quase contínuo domínio do Partido Liberal Democrático (PLD) desde o Pós-Segunda Guerra Mundial foi quebrado em agosto de 2009 quando o PDJ (Partido Democrático do Japão) conquista 308 das 480 cadeiras da Câmara dos Deputados, com seu líder, Yukio Hatoyama, tornando-se primeiro-ministro. A bem sucedida política "social-democrática" do PLD, que previa um pacto produtivista e redistributivista entre agricultores, trabalhadores, burocracia estatal e homens de negócio, havia funcionado razoavelmente bem durante todos os anos de dinamismo econômico até o final da década de 1980. Sofreu um ligeiro abalo na década de 1990, quando a economia do Japão estagnou. Mas parecia ter-se recuperado com a retomada econômica no período 2002-2006 (anos do primeiro-ministro Koizumi). Mas a partir de 2007 e, principalmente, com a crise mundial de 2008-2009, o Japão entra em rota descendente. O PIB japonês decresceu 1,2% em 2008 e 5,3% em 2009.
O descontentamento com este cenário levou o desgaste do longo período de poder do PLD no poder à posição de fervura. Os eleitores colocaram o Partido Democrático e Hatoyama no poder não apenas em busca de melhorias econômicas, mas também de um prometido arejamento democrático do sistema político e do burocratismo que o acompanhava. Mas a tarefa de mudar o sistema de um país que bem ou mal ainda é a segunda economia do mundo se revela difícil. No início de 2010, as pesquisas eleitorais revelam um desgaste da "lua de mel" inicial com as promessas arejantes de Hatoyama e o início do desgaste de sua popularidade. Afinal, Hatoyama terá que lidar com a difícil tarefa de tirar o Japão não apenas de recessão profunda, mas também da estagnação iniciada há duas décadas. Conseguirá? Caso não obtenha resultados positivos logo, pode ser que o povo japonês perca a paciência com o experimento do "novo, mas não testado" e se volte novamente para o velho e conhecido sistema PLD de administração do Japão.



AS COREIAS

As duas Coreias representam um eterno ponto focal de tensão na região (principalmente porque seu equilíbrio afeta diretamente o poderoso Japão e, através dele, seu aliado, os EUA). A razão é que a Guerra da Coreia (1950-1953) foi encerrada com uma trégua e até hoje não há um acordo formal de paz. Ou seja, os dois países estão tecnicamente ainda em guerra e as tensões ocasionais nas fronteiras entre os dois países são evidências disso.
Se até a década de 1960 a Coreia do Norte crescia economicamente a taxas comparáveis ou superiores às da Coreia do Sul, de lá para cá esta última se tornou um dos "tigres asiáticos" e se tornou um país praticamente desenvovido enquanto a primeira entrou em rota de relativa estagnação nos anos 1970 e 1980 e de verdadeiro retrocesso nos anos 1990, quando a dissolução da URSS e do bloco socialista europeu deixou a Coreia do Norte algo isolada e cortada de muitos canais de comércio e colaboração com o bloco socialista. Para completar, as inundações de 1995 e 1996 e a seca de 1997 levaram a um estado de fome para muitos no país.
Em 2000 houve um momento de expressiva aproximação entre os dois países quando o presidente sul-coreano Kim Dae-Jung, seguindo sua sunshine policy, encontrou-se com o líder máximo norte-coreano Kim Jong Il em Pyongyang. Entretanto o vigor desta "política do raio de sol" não sobreviveu ao mandato de Kim. Para completar, em dezembro de 2007, é eleito presidente Lee Myung-Bak, do Grande Partido Nacional, um homem de negócios de caráter mais conservador e mais duro em relação à Coreia do Norte.
O principal contencioso se refere ao programa nuclear da Coréia do Norte, cheio de idas e vindas. Após um período de relativa, apesar de inconsistente, aproximação com os EUA de Bill Clinton nos anos 1990, o relacionamento entre os dois países se deteriorou durante a presidência de George W. Bush nos anos 2000. Em 2003 a Coreia do Norte se retirou do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Em 2006 explodiu sua primeira bomba atômica. Para procurar um compromisso, conversações são entabuladas no quadro do chamado Grupo dos Seis (as duas Coreias, EUA, China, Rússia e Japão), mas a Coreia do Norte mostra-se arredia freqüentemente abandonando as negociações quando diz sentir que os parceiros não estão cumprindo as promessas de ajuda econômica em troca de abandono do programa nuclear bélico.
É interessante notar uma medida divulgada pelo Banco de Comércio Exterior da Coreia do Norte em janeiro de 2010. Por este documento, qualquer utilização ou troca de moedas estrangeiras por companhias ou estrangeiros na Coréia do Norte estava proibida. Doravante não se pode trocar diretamente moedas estrangeiras pelo won coreano e sim apenas trocar as moedas por cheques não -monetários especiais a taxas definidas pelo estado e somente com estes cheques poder-se-á fazer qualquer compra ou pagar por qualquer serviço no país. Esta medida é importante, pois parece indicar que o governo quer estancar a utilização de moeda estrangeira no país permitida limitadamente desde as reformas de 2002. Após a crise dos anos 1990, a República Democrática Popular da Coreia foi obrigada a realizar uma ligeira abertura econômica. Em 2002 e 2003 uma série de decretos alargaram os mercados que funcionavam com preços não-fixados pelo governo (preços livres), aumentaram o escopo de pequenas atividades privadas permitidas e foi permitido aos estrangeiros trocar moedas estrangeiras diretamente pelo won coreano, em vez dos certificados estatais tradicionais. O resultado foi um aumento sensível nas atividades privadas de pequena escala em um país em que elas eram de intensidade negligenciável anteriormente. Como na China, mas em uma escala infinitamente menor, fenômenos como inflação escondida e especulação se generalizaram desde então. Sinalizariam estas medidas contra a utilização de moedas estrangeiras no início de 2010 um sinal de que este início embrionário de "reformas de mercado" a partir de 2002 será abortado em prol de um modelo socialista mais ortodoxo e tradicional da Coréia do Norte?


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PARTE II: RELATÓRIO DE EURÁSIA (RÚSSIA E ÁSIA CENTRAL)


O ano de 2009 foi marcante para a Rússia dentro da montanha russa de seu desenvolvimento econômico no período pós-soviético. O país que tivera quase uma década de crescimento negativo anual da economia nos anos 1990 sob Yeltsin e o impacto da passagem do socialismo soviético ao capitalismo, passou por um período de alto crescimento econômico sob Vladimir Putin nos anos 2000 (daí muito da popularidade deste político no país). Entretanto, a Rússia foi atingida fortemente pela crise mundial em 2009: seu PIB decresceu gigantescos 9%.
Isso reacendeu a polêmica de quão sustentado é o crescimento econômico da Rússia nos anos 2000. Afinal, ele teve um caráter até agora recuperativo da imensa queda do PIB russo na década de 1990 (somente em 2008 o país recuperou cerca do tamanho do PIB que tinha nos anos finais da URSS) e é fortemente baseado em exportação de recursos minerais (especialmente petróleo e gás).
Os dois últimos trimestres de 2009 mostraram tendência de recuperação e espera-se crescimento positivo de 3,6% do PIB em 2010. A prosseguirem estas tendências o modelo Putin terá se mostrado à altura do desafio da crise.
Esta questão econômica é extremamente importante para Putin, pois grande parte de sua popularidade e legitimidade como líder provém do alto crescimento e recuperação econômica que a Rússia teve sob sua batuta nos anos 2000.
Uma outra dúvida que se colocara fora no campo político. Após dois mandatos presidenciais de 2000 a 2008, Putin atualmente é o primeiro-ministro do presidente Dmitry Medvedev, seu antigo colaborador. A dúvida era como funcionaria essa "diarquia" sob as tensões de uma crise econômica forte. Putin sempre foi a figura forte e Medvedev seu fiel colaborador. Medvedev parece ter um perfil mais liberal que o autoritário Putin. Sob tensão econômica e política poderia Medvedev entrar em conflito com Putin e desenvolver autonomia própria? A resposta até agora parece ser que a diarquia continua funcionando como parceria funcional, sem maiores tensões exageradas entre os dois.
O modelo Putin passou por maus bocados em 2009, mas parece ter escapado relativamente ileso: continua a ser a força motriz no país.


ÁSIA CENTRAL

Politicamente o principal tema da Ásia central continua a ser seu jogo de pêndulo entre parcerias com a Rússia ou com o Ocidente. A maioria dos países da região (ex. Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Tadjiquistão) foram parte da antiga União Soviética. Por isso, a Rússia as considera parte de sua esfera de interesse especial. Devido à proximidade geográfica e aos antigos laços estreitos, faz sentido econômico estes países estreitarem laços com a Rússia. O Ocidente (especialmente EUA) tem grande interesse econômico e estratégico na região. Ela é rica em petróleo e gás e é uma região importantíssima como vizinha dos atribulados Afeganistão e Irã. Conscientes de serem objetos de desejo, os países da Ásia Central têm jogado com os dois lados. Ora o pêndulo corre para um lado; ora mais para o outro. Por exemplo, em 2001, o Uzbequistão permitiu aos EUA usarem seu território para bases na guerra com o Afeganistão. Após sofrer críticas ocidentais pelo massacre de Andijon em maio de 2005, o país expulsa as tropas americanas. Em fevereiro de 2009 permite novamente que os EUA utilizem seu território para transporte de material não-bélico para o Afeganistão. O outro país da região que em 2001 permitiu aos norte-americanos, em sua guerra com o Afeganistão, instalar bases em seu território foi o Quirguistão. Cortejado pela Rússia, que acabara de lhe oferecer um financiamento de 2 bilhões de dólares, o governo quirguiz vedou aos americanos essa base aérea de Manas em fevereiro de 2009. Mas em junho, os EUA recebem permissão para utilizar novamente a base em troca de um aluguel 3 vezes maior que antigamente. Resultado: o Quirguistão acabou ficando tanto com o financiamento russo como conseguiu um aluguel muito maior pela sua base dos norte-americanos. E fica numa situação sui generis no mundo: abriga simultaneamente bases americanas e russas.
Correndo por fora nessa disputa por influência, vem a China. Como o Cazaquistão é rico em petróleo e gás, em 2006 foi inaugurado um oleoduto entre Cazaquistão e China e para 2010 está previsto o término da construção de um gasoduto entre os dois países. Em dezembro de 2009 a China inaugura também um gasoduto com o Turcomenistão.
Enquanto que russos e chineses lidam com os países da Ásia central em bases pragmáticas, os EUA e europeus tendem a criticar o fato dos regimes daquela região serem autoritários. Está criando tensão, por exemplo, o fato que o Cazaquistão em 2010 assumirá a presidência da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), sem ter credenciais democráticas para tal.


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PARTE III: RELATÓRIO ORIENTE MÉDIO

(o relatório de Oriente Médio será iniciado a partir do próximo número do Boletim Observatório da Ásia)



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PARTE IV: ANEXOS





PARTE IV: ANEXOS
Tabela 1: Percentagem de crescimento econômico anual em diversas regiões do mundo em 2008, 2009 e 2010 (dados preliminares para 2009 e projeção para 2010)

2008 2009 2010

Mundo 3,8 -0,8 3,9
Economias desenvolvidas 0,5 -3,2 2,1
EUA 0,4 -2,5 2,7
Zona do Euro 0,6 -3,9 1,0
Países emergentes e em desenvolvimento 6,1 2,1 6,0
África 5,2 1,9 4,3
Europa central e oriental 3,1 -4,3 2,0
Comunidade dos Estados Independentes (CEI) 5,5 -7,5 3,8
Rússia 5,6 -9,0 3,6
Ásia em desenvolvimento 7,9 6,5 8,4
Países recentemente industrializados da Ásia 1,7 -1,2 4,8
China 9,6 8,7 10,0
Índia 7,3 5,6 7,7
Japão -1,2 -5,3 1,7
Oriente Médio 5,3 2,2 4,5
Brasil 5,1 -0,4 4,7
Fonte: World Economic Outlook Update, January 2010 (International Monetary Fund)



ARTIGOS



ARTIGO: A ÍNDIA, ELEIÇÕES E ECONOMIA.

[autora: Mirian Santos Ribeiro de Oliveira, doutoranda em Sociologia pela Universidade de São Paulo, membro do LEA]

De acordo com relatório do Banco de Desenvolvimento da Ásia, alguns países asiáticos foram duramente atingidos pela crise econômica global devido, principalmente, à rapidez com que se expandem os mercados na região. No caso da Índia, em decorrência da crise, observou-se a desaceleração do crescimento econômico para aproximadamente 6,7%, em março de 2009, em contraposição aos 9% anuais verificados nos últimos cinco anos. Houve, ainda, impactos sobre setores importantes como o agrícola, que representa 1/5 da economia indiana e está se expandindo significativamente, e o industrial, afetado pelo congelamento dos mercados de crédito e pela queda dos gastos em âmbito global. Entretanto, prognósticos de recuperação para a Ásia foram bastante favoráveis. Em se tratando da Índia, tendo em vista a relativa estabilidade política e econômica dos últimos cincos anos e mediante as medidas adotadas pelo governo do Partido do Congresso – como, por exemplo, os pacotes fiscais anunciados nos primeiros meses de 2009, as políticas de incentivo à agricultura e o aumento dos gastos com urbanização e contratação de pessoal –, as perspectivas de rápida recuperação soaram realistas.
Ao que parece, essa também foi a percepção dos eleitores indianos que, nas eleições nacionais de maio deste ano, votaram pela permanência de Manmohan Singh como primeiro-ministro. À frente da coalizão United Progressive Alliance (UPA), o membro do Partido do Congresso, economista e político respeitado por sua inteligência e integridade, derrotou nas urnas a National Democratic Alliance (NDA), principal coalizão adversária, liderada por Lal Krishna Advani, representante da ala radical do Bharatiya Janata Party (Partido do Povo Indiano, BJP). Pode-se dizer que tal resultado indica o desejo de continuidade das reformas econômicas e das políticas de bem-estar social implementadas pela UPA. Além disso, aponta para a capacidade do Congresso de se equilibrar entre demandas de grupos rurais e urbanos, de classes médias e baixas e, nesse sentido, de fazer frente ao apelo de partidos regionais que representam distintos estados, regiões, grupos de castas ou linguísticos e acabam por fragmentar o eleitorado.
A vitória do Congresso sobre o BJP significa, ainda, a afirmação de uma perspectiva nacional-secular sobre uma concepção nacional-religiosa. É importante lembrar que, no final do século XIX, diferentes projetos de nação indiana – alguns deles conflitantes – começaram a ser formulados como reação à dominação colonial britânica. Pode-se destacar, de um lado, o nacionalismo secular do Congresso Nacional Indiano. Fundado em 1885, o Congresso defendia a definição de nação indiana de acordo com o critério territorial em detrimento de critérios culturais. Isso implicava o reconhecimento de que todos os cidadãos indianos – ou seja, todos aqueles que vivessem dentro das fronteiras da Índia britânica – eram detentores de direitos iguais devido a sua condição de indivíduos e não de membros de um grupo específico (religioso, linguístico, de casta ou tribal). O Congresso de Gandhi e Nehru liderou o movimento pela independência e tornou-se o partido político mais influente da Índia independente. De outro lado, em oposição ao nacionalismo secular, desenvolveu-se o nacionalismo hindu, a princípio um movimento sem partido político próprio, organizado em torno de Hindu Sabhas (assembleias hindus). Os nacionalistas hindus rejeitavam a concepção universalista de nação do Congresso. Consideravam que a identidade nacional indiana era sintetizada pelo hinduísmo e que as crenças e a história dos hindus, na condição de população majoritária do país, deveriam fornecer as bases para um Estado indiano concebido como um Estado hindu. Líderes nacionalistas hindus importantes como Savarkar, Golwalkar, Upadhyaya e Madhok influenciaram a ideologia e as atividades do Bharatiya Janata Party, fundado em 1980.
Embora o movimento nacionalista hindu remonte ao período colonial britânico, adquiriu maior visibilidade e capacidade de mobilização somente a partir da década de 1980. Nesse período, as organizações nacionalistas hindus não apenas contavam com uma extensa rede de ativistas e com o apoio de líderes religiosos hindus, mas, ainda, demonstraram capacidade de mobilizar sentimentos de vulnerabilidade hindu – ou seja, de apelar à insegurança de membros de castas médias e altas quanto à política de identidade de minorias religiosas (muçulmanas, principalmente) e de castas baixas, cujas demandas constituiriam ameaças ao status dos hindus. A destruição de uma mesquita – construída sobre um templo dedicado ao deus Rama, segundo alegam os nacionalistas hindus – em Ayodhya, Uttar Pradesh, no ano de 1992, desencadeou inúmeros conflitos entre hindus e muçulmanos e constituiu o ápice da mobilização política em torno de símbolos religiosos hindus. Deve-se lembrar, ainda, que, ao longo da década de 1990, o nacionalismo hindu fortaleceu-se em termos eleitorais. Em 1996, o BJP obteve 161 assentos na Lok Sabha (câmara baixa do Parlamento Indiano), cifra significativamente maior se comparada aos 88 assentos em 1989. E, em 1998, pela primeira vez na história indiana, um partido nacionalista hindu chegou ao governo nacional, onde, liderado por Atal Behari Japayee, representante da ala moderada do BJP, permaneceria por cinco anos. Foi derrotado nas eleições de 2004 pela coalizão encabeçada pelo Congresso o que, segundo alguns analistas, significou o repúdio do eleitorado indiano à “agenda hindu” do partido, pautada, por exemplo, pela ênfase na demonstração de poderio militar e na “hinduização” da educação – como no caso dos testes nucleares realizados em maio de 1998 e da revisão de livros escolares com vistas a apresentar a visão nacionalista hindu da história indiana, qual seja, a de hostilidade entre a maioria hindu e as minorias muçulmana e cristã. Os resultados das eleições nacionais de maio parecem confirmar a postura centrista e moderada do eleitor indiano médio. Embora o BJP esteja no poder e exerça bastante influência em estados importantes como o Gujarat, em âmbito nacional, a vitória de Singh aponta na direção da rejeição à concepção nacional-religiosa do movimento nacionalista hindu em favor da perspectiva nacional-secular do Congresso.





ARTIGO: Eleições no Japão: grandes mudanças em 2009

(autor: Laerte M. Fernández, bacharelando em História da USP e membro do LEA)

O Japão, segunda maior economia do mundo atualmente, passou neste ultimo ano por importantes mudanças políticas em decorrência da queda vertiginosa do crescimento econômico enfrentado pelo país na ultima década.
Durante três décadas, o Japão manteve um crescimento econômico espetacular, com cerca de 10% na década de 1960 e 5% nas décadas de 1970 e 1980. No entanto, na década de 1990, mais especificamente entre os anos de 1992 e 1995 houve uma seria desaceleração do ritmo de crescimento devido as novas medidas do governo para diminuir as especulações no mercado imobiliário.
Apesar desses percalços a economia japonesa continuou forte graças ao superávit comercial, ao bom volume de investimentos por parte dos estrangeiros e a manutenção do baixo índice de desemprego e da inflação. Com uma economia considerada sólida, baseada em uma forte ética no trabalho, completo domínio da tecnologia e gastos com defesa proporcionalmente pequenos, cerca de 1% do PIB, o Japão é, até então, a segunda maior economia mundial. Mas, apesar de toda a orça que o pais possui, não foi capaz de sair da última crise que assolou o mundo.
A resposta encontrada pelo país para a crise mundial foi uma mudança política. Desta forma, com as eleições gerais ocorridas neste último ano, o Partido Liberal Democratico (PLD), no poder há mais de cinco décadas, quase que ininterruptamente, sofreu uma derrota esmagadora.
O atual sistema de governo do Japão baseia-se na Constituição de 1946. O artigo 1º da Constituição dispõe que "O Imperador será o símbolo do Estado e da unidade do povo, derivando a sua posição da vontade do povo no qual reside o poder soberano". Mais adiante, reza a Constituição que a Dieta será a autoridade suprema, como setor legislativo do Governo; que os três poderes, legislativo, executivo e judiciário, serão independentes e que todos os direitos humanos fundamentais serão resguardados como eternos e invioláveis por esta e todas as gerações futuras.
O Japão adotou um sistema parlamentar de governo, no qual o executivo e o legislativo não são totalmente independentes entre si. O Primeiro Ministro é um membro da Dieta eleito pelos seus componentes. O Gabinete consiste no Primeiro Ministro, que é seu chefe, e de vinte Ministros de Estado, no máximo, escolhidos por ele. Pelo menos metade dos membros do Gabinete devem ser representantes da Dieta.
A Dieta é o mais alto órgão do poder estatal e o único corpo legislativo. Consiste de duas Câmaras, a Câmara dos Deputados, composta de 480 cadeiras, e pela Câmara dos Conselheiros, esta com 252 cadeiras. Os membros da Câmara dos Deputados são eleitos por um período de quatro anos, mas o mandato se extingue com a dissolução da Câmara. Os membros da Câmara dos Conselheiros são eleitos por um período de seis anos, renovando-se metade a cada três anos. O voto no país não é obrigatório e é concedido a partir dos 20 anos de idade.
Na última eleição, realizada no dia 30 de agosto deste ano, registrou a maior participação de eleitores desde 1996.
A causa da derrota do PLD pode ser explicada pela sua incapacidade de encontrar uma saída para a crise mundial, incapacidade esta decretada quando em 28 de agosto sai a publicação dos dados oficiais relativos ao desemprego, que atingiu um Maximo histórico de 5,7%, sedimentado a idéia de que o governo simplesmente esgotara sua capacidade de ação. Se por um lado a década de 1990 tornou evidente os limites do modelo econômico japonês que privilegia a conciliação entre interesses corporativos e a tecnocracia política, por outro a crise atual reforçou a percepção de que o PLD era incapaz de protagonizar uma mudança que pudesse retirar o país de seu atual estado.
Surge então como esperança o Partido Democrático do Japão (PDJ). Fundado em 1996 por Yukio Hatyama, depois que este deixou o PLD, onde fora eleito seis vezes para a Câmara dos Deputados.
A vitoria do PDJ representa o culminar de um processo de mudança que remonta à década de 1990, quando foram aprovadas as reformas eleitorais que conduziram à fragmentação do sistema partidário dominado pelo PLD.
O PDJ chegou a vitoria nas eleições graças a um programa que pela primeira vez oferece uma alternativa real a política econômica engendrada pelo PLD. Argumentando que o peso do estado é excessivo, e que os burocratas detêm demasiado poder no quotidiano dos cidadãos, o PDJ fez uma campanha contra a elite tecnocrática. Seu programa econômico consiste em um “New Deal”:subsídios adicionais para crianças, reforma das pensões, escolas públicas gratuitas, mais subsídios para os agricultores e o fim dos “gastos excessivos” nas obras públicas, mecanismo este utilizado pelo PLD para compensar a lealdade dos seus aliados. A poupança resultante da redução das obras públicas será utilizada para financiar programas sociais do “New Deal” japonês. O PDJ promete criar postos de trabalho e “ajudar os consumidores”, em vez de privilegiar os grandes grupos empresariais que o PLD considera serem os motores do crescimento. Por último, visa uma nova política ambiental que passará pela generalização de painéis solares e automóveis elétricos.
Trata-se de uma agenda ambiciosa e, porventura, irrealizável. Difícil ainda de realizar é a promessa de acabar com a burocracia estatal. O PDJ pretende fazê-lo através da criação de um “gabinete estratégico nacional”, tutelado pelo primeiro-ministro, que será responsável pela definição das políticas e do orçamento. Resta saber até que ponto esta entidade conseguirá obter autonomia suficiente para proporcionar um pólo alternativo de poder à influência institucional dos burocratas.
Quanto à política externa o líder do PDJ prometeu dar continuidade à aliança estratégica com os Estados Unidos, mas diz querer “igualdade” entre os dois países. Também questionou algumas das regras que pautam a presença militar americana no terreno, incluindo a disposição das forças nucleares no mundo. Proclamou a necessidade de uma aproximação à China e à Rússia.
Resta saber até que ponto uma sociedade conservadora e resistente à mudança irá aceitar a mudança que o PDJ, que não necessita de formar uma coligação para governar, propõe. Em 2010, irão ser realizadas eleições para a câmara alta do parlamento, e até essa data o PDJ terá de evitar a desagregação da coligação representada no interior do partido. Afinal, o PDJ é uma federação de sensibilidades unidas pela rejeição do PLD: conservadores, dissidentes ex-PLD, socialistas, protecionistas, etc. Dito de outra forma, o PDJ corre um risco sério de fragmentação ou mesmo de dissidência uma vez que a governabilidade irá, muito provavelmente, aprofundar as diferenças existentes no seio do partido.

Laerte M. Fernandes
Bacharelando em História
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Bibliografia

 Uma mudança histórica no Japão, por Vasco Rato.
http://www.construirideias.pt/

 As eleições no Japão: o significado da derrota do Partido Liberal Democrata, por Rogério Makino, mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). http://meridiano47.info/